Todos nós temos padrões e formas de ver o mundo que foram sendo construídos durante anos, ao longo de nossas vidas: padrões de relacionamento, de comportamento, de pensamento, etc. E se temos formas de pensar que estão cristalizadas, fixadas, rígidas, acabamos lidando com as pessoas ao nosso redor e fazendo escolhas de maneira repetitiva. É como se sempre agíssemos de um mesmo jeito em situações diversas que – por serem diferentes – exigiriam de nós um entendimento e atitudes diferentes também.
Na maior parte das vezes temos atitudes iguais para situações diferentes sem perceber, sem nos dar conta de que aquela atitude um dia serviu para alguma situação específica, mas que hoje pode não estar sendo satisfatória. Então nos sentimos insatisfeitos, percebemos que algo não vai bem, queremos mudar, mas não sabemos por onde começar ou nem mesmo o que mudar. Afinal, o que há de “errado”? O que faz uma pessoa não se sentir bem, sem nem mesmo saber o que a faz sentir assim? Qual o motivo do sofrimento?
Como mudar, ir em direção a algo novo, diferente, se não se enxerga esse caminho e nem mesmo onde se quer chegar? Em terapia, na maior parte das vezes, é possível perceber que o cliente nem cogita a existência de novas formas de lidar com determinadas situações. Darei um exemplo: uma mulher quer encontrar um parceiro para ela, mas só consegue ver de forma rígida que homens não querem nada sério (pelo menos não como ela gostaria) e só se importam com a aparência, ou com a relação sexual. Essa moça está generalizando, está igualando todos os homens – seja porque um dia alguém lhe contou que “homens não prestam” ou “são todos iguais”, seja porque ela se relacionou com UM homem que realmente não prestava. Pensando nessa moça quando ela conhece um rapaz novo, provavelmente não consegue olhar pra ele e enxergá-lo, como quem conhece alguém novo de verdade: na realidade, essa mulher está conhecendo “mais um”, está re-conhecendo alguém que ela já conheceu um dia ou que sua mãe/ avó conheceram; não está na experiência aqui-agora com esse rapaz.
E aí está um ponto muito importante: a necessidade de desconstruir seu “pré-conceito”/ preconceito sobre homens. Antes de ela conseguir encontrar alguém “que preste”, da maneira que ela busca, é preciso que ela consiga se encontrar com pessoas e viver a experiência com cada uma delas que, sem dúvidas, será diferente. Aí que entra o papel do terapeuta.
É em terapia que uma pessoa tem a possibilidade de experimentar coisas novas, que ela ainda não se permitiu: por medo, insegurança, desmotivação. É em terapia também que uma pessoa pode reaprender a estar no aqui-agora. Isto significa valorizar cada momento como sendo único, significa estar em contato com os próprios sentimentos e pensamentos, ao mesmo tempo em que faz contato pleno com o ambiente e com as pessoas ao seu redor, em determinado momento.
Como terapeuta, o meu papel é ajudar a pessoa que está a minha frente a ampliar a sua forma de ver o mundo, para que ela possa se permitir e enxergar novas possibilidades. Lembro-me agora de uma experiência que, a princípio pode parecer simples, mas que foi marcante e transformadora. Certa vez, em uma de minhas supervisões de estágio com a Sandra Salomão, lembro-me de ela perguntar para mim e meu grupo se era possível que víssemos as coisas da sala que estavam atrás de nós, fora de nosso campo visual. Respondi que não, ao menos que eu me movesse e olhasse intencionalmente para trás. E ela disse: pois é assim que acontece conosco e com nossos clientes. O que entendo disso é que uma pessoa permanece sofrendo, muitas vezes porque não consegue enxergar uma possibilidade diferente para si; e muitas vezes a vontade de mudar, o desejo pelo novo, a consciência das próprias atitudes não são suficientes para que uma pessoa realize de fato mudanças em sua vida.
Nos sabotamos diversas vezes, sem nos dar conta. E não basta que saibamos disso para mudar, ou seja, em terapia o que funciona não é o terapeuta simplesmente dizer isso ao paciente, como quem ensina uma teoria, já que o entendimento teórico e racional não significa mudança emocional e, portanto, não é suficiente para que o paciente enxergue novas possibilidades para agir e ir ao encontro.
A Gestalt-terapia possibilita, através de suas técnicas e experimentos, que a pessoa se dê conta de si no aqui-agora, ali, no consultório, junto do terapeuta. E a experiencia que a pessoa pode ter, o insight que ela pode alcançar serão muito mais marcantes do que qualquer ensinamento ou posicionamento de “eu sei o que é melhor pra você”. E foi exatamente isso que aconteceu comigo naquele dia, naquela pequena sala de supervisão: eu experimentei que não sabia o que havia atrás de mim, até fazer um movimento de buscar (que foi proposto por um outro – nesse caso a supervisora, em terapia, o terapeuta) e eu aceitei a sua ideia e tive vontade de experimentar.
Viver novas experiências, assim como entrar num processo terapêutico, exige curiosidade, disponibilidade, vontade, necessidade. Se eu pudesse escolher uma palavra-chave, diria desejo.